Tem uma coisa que passeia pela minha mente vez em quando desde que comecei a ter mais consciência racial, coisa essa que está pautada principalmente na minha adolescência. Conversando com amigas, percebi que não foi uma experiência única e queria deixar registradas em palavras algumas memórias e reflexões que tenho a partir disso.
A minha adolescência foi regada de amores platônicos e sonhos românticos. E eu culpo muitos filmes, livros e a sociedade em geral por eu ter ansiado por um namoro tão cedo (meu primeiro namorado eu tinha 14 anos). Existia uma dinâmica que era a seguinte: as meninas gostavam de alguns menininhos, mas poucas de nós tínhamos coragem de pedir para "ficar", esperávamos que fôssemos escolhidas. Em vários momentos desses alguns meninos negros demonstravam interesse pelas minhas amigas brancas e recebiam de volta muita zoação e uma negação bem explícita. Na maioria das vezes eu achava aqueles meninos bonitos, mas como eu disse, nenhuma de nós tinha a coragem de "chegar". Quando eu revisito esses momentos eu lembro que isso me causava muito incômodo, por que eu sentia uma dupla rejeição: aqueles meninos eram parecidos comigo, tinha o mesmo tom de pele que o meu, se minhas amigas o rejeitavam, elas também estavam me rejeitando de certa forma. Outro incômodo era que eu não entendia o porquê aqueles meninos preferiam passar por aquelas situações vexatórias ao invés de olhar para meninas como eles, como eu.
Eu vi essa dupla rejeição se repetir de forma incisiva por toda a minha vida, eu poderia citar aqui várias situações. Mas o lugar onde quero chegar é que a solidão da mulher negra é construída assim. Quando cito homens negros não quero culpabilizá-los, é até um pouco triste que eles não consigam amar o que eles são (homens negros-mulheres negras). Porém até que ponto devemos esperar esse amor afrocentrado? Nós vivemos num limbo entre a rejeição vinda do homem negro e a hiperssexualização vinda do homem branco.
Olhando mais uma vez para a minha adolescência relembro uma dor que perdurou até o começo da minha vida adulta. Eu queria viver o clichês românticos que eu via nos filmes e nos livros: ganhar flores, ir no cinema, receber cartas, receber declarações nas redes sociais. Minhas amigas recebiam. O que tinha de errado comigo? Minhas primeiras flores e carta de amor recebi aos 20 e poucos anos. Tasha & Tracie, em um feat que elas participam, cantam "pra nós que somos pretas os clichês são outros" e eu consigo visualizar muito bem esses clichês. Estar nas lista das mais feias da sala, ser rejeitada pelo garoto a qual está apaixonada, tentar se embranquecer para se sentir amada, ser escolhida para o afeto, mas só aquele afeto escondido e sexualizado.
O racismo atravessa os afetos e isso doi. Mas nós também somos mulheres (lembro agora de E não sou eu uma mulher? de Soujourner Truth) e merecemos o amor dos filmes clichês.
O que te fez mudar de ideia sobre a gente? O que te fez me fazer sentir como tua última escolha? Eu nunca quis estar num pedestal, absorvendo as tuas subjetividades, aquilo que é só teu... A única coisa que eu pedi foi para ser amada. Será que nunca vou ter isso? E o que doi mais é que você me deu isso, meu deu o brilho de ser vista pelo menos uma vez na vida, eu explodi em felicidade e pensei "Finalmente! Finalmente eu vou receber em troca aquilo que eu sempre dei...". Mas agora você pegou de volta. Pegou de volta a sensação boa que eu estava sentindo por amar. Eu dei mais uma chance para isso, depois de ter tido meu coração estilhaçado, mas estou me arrependendo.
Como pude fazer isso comigo? Você é minha última carta de amor, mas sinto como se você estivesse a deixado jogado num canto da mesinha do seu quarto, há tanto tempo que já está empoeirada. Queria que você olhasse para mim com aqueles olhos de novo, queria que me dedicasse mais uma canção, que me abraçasse forte de novo depois de alguns dias longe... Agora eu sinto a frieza dos seus braços e dos seus lábios. Me mostre a sua vontade de ficar, porque estou cansada de pedir isso.
Às vezes as coisas podem parecer sem sentido. Você olhará para trás e se perguntará se sua caminhada fez pegadas no chão. Você olhará no espelho e não se reconhecerá como aquela que foi anos atrás. Eu sei que você tem se sentido assim, mas eu queria te lembrar do começo. O começo em que te chamei, em que você se encontrou e era como se tivesse nascido de novo. Você lembra quando ardia em seu peito uma vontade de gritar pro mundo o que tinha encontrado? Você lembra das noites sem dormir simplesmente pela paixão que parecia transbordar de seus poros? Você sabia que era eu, e pedia pra que isso não se esvaísse. Muita coisa bateu em sua porta, mas eu estive aqui torcendo para que você só a abrisse para mim.
Eu sei que os tempos passam, coisas ruins vêm, conflitos em seu coração parecem ser um mar revolto, mas eu estive aqui para mostrar a você que eu sou especialista em tempestades. Eu chamei e você não teve medo, andou sobre as águas olhando nos meus olhos, a agitação das ondas não impediram você de vir até mim. Até que o seu olhar desviou pra outra direção, e a tempestade chamava mais a sua atenção do que o meu chamar. Eu entendo. Eu entendo porque carreguei cada dor sua e sabia que não seria fácil. Eu falei pra você, lembra? Mas também falei que estaria aqui até a consumação dos séculos.
Então, olhe nos meus olhos e lembre-se do começo. Lembre da primeira vez que ouviu minha voz, dos sonhos que construí para você, das vezes em que deitou no meu colo e cada lágrima sua eu decifrei. Lembre da viração do dia, da porta fechada para me encontrar, das vezes que me apresentou para alguém. Isso tudo foi o começo, mas eu não quero que se prenda no que foi e no que viveu, pois eu posso fazer novas todas as coisas. Então olhe para o começo para lembrar de onde eu tirei você, mas olhe para o agora para ver o que vou fazer. O começo sou eu, mas o fim também.